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Voleibol: Testemunhos de dois treinadores portugueses “no Mundo”

Dois exemplos de técnicos que saíram de Portugal para desenvolverem projetos de trabalho no estrangeiro. Duas situações diferentes – um deixou Portugal após ter sido campeão nacional, outro trocou o sucesso na Suécia pelo enigmático Catar – mas com algumas semelhanças, como o facto de terem ambos representado a Seleção Nacional como jogadores e terem iniciado, há relativamente pouco tempo, a carreira de treinador.

Rui Moreira abraçou um projeto na Suíça, depois de ter tido sucesso a todos os níveis na AJM/FC Porto.

“Acho que existem dois pontos nessa questão, a minha saída da AJM/FC Porto e a vinda para o estrangeiro. Na primeira parte, sou e serei sempre bastante grato ao clube. Deu-me muito, especialmente títulos e reconhecimento, e sei que também deixei muitas horas de trabalho, muita dedicação, muito empenho e que ajudei o clube (AJM primeiro e AJM/FC Porto depois) a ser hoje, talvez, o clube de Voleibol com as melhores condições de trabalho a nível nacional. Mas o meu ciclo no clube chegou ao fim, penso que o clube precisava de uma pessoa diferente a comandar a equipa sénior e a gerir o clube, e eu também precisava de novos desafios para a minha carreira. Decidi dar esse passo e sair. Não teria de ser necessariamente para o estrangeiro, mas sempre tive a ambição de experimentar outros campeonatos, de me desafiar noutros contextos, então, acabou por ser uma situação que levou a outra, isso aliado ao facto de também só terem surgido convites de equipas de fora de Portugal.”

Que objetivos tem o Volleyball Franches-Montagnes (VFM) para 2021/2022?

“O clube passa por uma reestruturação financeira, fruto de gestões anteriores menos bem conseguidas, e isso tem sempre um reflexo na construção da equipa. Comparativamente a anos anteriores, tivemos uma redução drástica de orçamento, o que fez com que, atualmente, sejamos a segunda equipa com menos estrangeiros do campeonato e um dos três orçamentos mais baixos. Quando fui contratado, todo o plantel estava já montado, assim como toda a estratégia delineada, a par das metas a atingir.

O primeiro objetivo passa por nos qualificarmos para o Playoff com a melhor classificação possível. Até essa fase, para além de obter a pontuação necessária para jogar o Playoff, temos de desenvolver as atletas, individualmente, e a equipa coletivamente, para que este ano sejamos o mais competitivos possíveis e para criarmos as bases para os anos seguintes. E aí sim, com mais tempo para moldar as coisas de acordo também com a minha forma de ver, ter algo um pouco mais ambicioso”.

Rui Moreira (Foto: VFM/Jonathan Vallat)

E os objetivos pessoais para esta época (e próximos anos)?

“Os meus objetivos são simples. Sou uma pessoa ambiciosa, penso que tenho algum valor e, por isso, pretendo mostrar trabalho no campeonato suíço e conseguir chegar a melhores equipas no país ou a campeonatos mais competitivos. A médio/longo prazo, e como foi sempre a minha forma de estar, pretendo conquistar títulos e troféus, tanto a nível nacional (dos campeonatos internos que disputar), como tenho a ambição de conseguir algum dia vencer uma competição europeia.

Pretendo ainda criar as bases para poder trabalhar em simultâneo com seleções nacionais, de forma a continuar o meu desenvolvimento como treinador.

Todos os meus objetivos estão sempre ligados à minha progressão como treinador e à conquista de troféus. Nunca fui uma pessoa de valorizar muito as questões financeiras e isso nunca será o principal fator de decisão nas minhas escolhas, principalmente numa fase tão precoce da minha carreira de treinador.”

“Acredito que fiz o mais difícil, que foi sair da minha zona de conforto e de sucesso, e arriscar num novo campeonato, clube e país em busca dos meus sonhos e objetivos pessoais”.

Depois da Seleção Nacional e da AJM/FC Porto, o VFM poderá servir como um trampolim na tua carreira de treinador?

“Sem dúvida alguma que existem duas coisas que ajudaram bastante a que tivesse algumas propostas este ano. O ter estado ligado às Seleções Nacionais e o projeto do qual fiz parte e os troféus conquistados pela AJM/FC Porto. A todos eles estou muito grato e sei que lhes devo muito. O VFM é agora a minha nova casa e certamente o trabalho que eu apresentar aqui irá abrir mais portas para um futuro próximo.

Espero ter a sorte dos resultados, continuar a trabalhar com a mesma dedicação e ambição que sempre tive para que mais portas se abram. Um treinador é completamente dependente destes dois fatores e eu não serei exceção. No meu contexto, não tem de ser necessariamente ganhar um troféu, até porque a realidade atual do clube e o nível da equipa tornam esse objetivo bastante longínquo, mas uma boa classificação e desenvolver bem as jogadoras, certamente serão um bom cartão-de-visita. Por isso, acredito que fiz o mais difícil, que foi sair da minha zona de conforto e de sucesso, e arriscar num novo campeonato, clube e país em busca dos meus sonhos e objetivos pessoais. Agora, é continuar a trabalhar como sempre fiz, ter alguma sorte e… tenho a certeza que todos vocês terão muito em breve mais novidades a esse respeito.”

Não estás sozinho neste desafio. É importante sentires-te apoiado «longe de casa»?

“É muito importante termos sempre alguém connosco, seja em que vertente for, pela língua, pela amizade, pelo companheirismo, pela identificação na forma de trabalhar. A carreira de treinador é bastante solitária e há tantos fatores que não controlamos que determinam o sucesso de uma época, que se estivermos rodeados de pessoas em quem confiamos, estamos mais perto de ter sucesso. O Eduardo Faustino foi uma grande escolha a todos os níveis, há muitas qualidades que um treinador adjunto deve ter e ele reúne um sem número delas, para além das competências técnicas nas quais me auxilia bastante. A Clarisse [Peixoto] veio para cá num contexto completamente diferente. Para além de ser a minha namorada, é uma atleta de Voleibol que toda a sua carreira jogou a um nível bastante alto. A época passada para ela foi bastante difícil, e decidimos fazer um trabalho de recuperação sem tempo determinado, onde apenas voltasse a jogar quando sentíssemos que estaria pronta para voltar ao nível que sempre apresentou. Por esse motivo, ela veio comigo para a Suíça, foi inserida no grupo de trabalho enquanto atleta e, claro, auxiliava-me bastante em tarefas relacionadas com a comissão técnica. Devido ao seu perfil agregador e a toda a contribuição que nos estava a dar e a ter tido uma grande aceitação perante o grupo de trabalho e clube, foi convidada a pertencer ao staff técnico. Entendemos que poderia fazer sentido enquanto ela estivesse aqui connosco. Atualmente, finalizámos a recuperação e ela já se encontra a jogar o campeonato grego, não estando, por isso, mais connosco.

No entanto, sem dúvida alguma que sem eles tudo era bem mais difícil, são uma ajuda, um apoio e um suporte muito grande.”

Principais diferenças entre campeonatos/realidades entre Portugal e Suíça?

“Primeiro de tudo, há uma realidade bem diferente, que é a realidade económica do país e que acaba por se refletir no desporto. O país é um dos mais ricos do mundo, o que faz com que o processo de sponsorização coloque bastante dinheiro nos clubes e que com isso consigamos ter profissionais de qualidade mais elevada. Pelo mesmo motivo, as equipas são bastante heterogéneas, pois essa realidade financeira quase que impede que as jogadoras suíças sejam profissionais e isso tem uma relação direta no seu desenvolvimento: treinam menos, logo desenvolvem-se menos ou de forma mais lenta. Tudo isto torna o campeonato (de 10 equipas) bastante forte e competitivo, com duas equipas muito fortes, talvez uma mais débil que todas as outras e as restantes com investimentos e características diferentes, mas capazes de ganhar e perder pontos umas com as outras.

Somos obrigados a jogar sempre com duas jogadoras suíças em campo (as líberos contam como uma delas se tivermos duas no boletim de jogo e ambas suíças). No entanto, para além destas regras próprias da SwissVolley, existem ainda regras para emissão de vistos ou autorizações de trabalho próprias de cada cantão (vulgo distritos). Ou seja, de cantão para cantão, existe um certo número de vistos que cada entidade desportiva pode requisitar para jogadores estrangeiros e esses vistos são ainda divididos em comunitários e não comunitários.

Todos os pavilhões são muito bons, aquecidos, apetrechados com todo o material e mais algum, com número de horas de treino aceitável. E todas as condições à volta de atletas e staff são excelentes (casas, comida, carros, etc.).

De uma forma geral, penso que o campeonato português está mais regulamentado e profissionalizado, há muita coisa aqui que ainda é bastante liberal, mas realmente a condição financeira faz desequilibrar a balança porque mais dinheiro acaba por significar na teoria jogadoras melhores e torna o campeonato bem mais forte.”

Idner Martins (Imagem: DR)

Como jogador, Idner Martins representou 23 clubes, de 12 países diferentes – em Portugal, esteve ao serviço do Esmoriz GC – sempre com um espírito aventureiro que o faz procurar novos desafios…

Como treinador, começou a sua carreira há muito pouco tempo, tendo orientado, na Suécia, o Örkelljunga Volley e sido distinguido pelo trabalho realizado.

Agora, mudou-se de armas e bagagens para o Catar, onde orienta o Police SC Volleyball Club, campeão em título.

“Sou Treinador Principal de uma equipa técnica composta por um adjunto/scouter, um preparador físico e um fisioterapeuta, dois managers que trabalham diretamente com a equipa e um outro manager geral da modalidade, que também trabalha na Federação de Voleibol do Catar (FVQ).

A realidade atual está um pouco diferente daquela que conheci na época em que joguei aqui [Al-Khor]. Existem novas regras, podendo ter em campo em simultâneo dois estrangeiros, que no nosso caso são o oposto Oliver Venno, da Estónia, que jogou comigo quando era muito novo nos alemães do VFB Friedrichshafen, e o zona 4 Wilner Rivas, da Venezuela.

Pelo que tenho analisado, o nível melhorou bastante, estando presentes jogadores e treinadores de reconhecido nível mundial“, salienta o técnico luso-brasileiro e antigo jogador da Seleção Nacional, esclarecendo:

“O que me fez abraçar este projeto no Catar, enquanto a minha esposa e filhos vivem em Dusseldorf? Obviamente, a parte monetária é sempre importante, mas, neste caso, as condições de vida e de trabalho, juntamente com o profissionalismo e os objetivos do clube, fizeram toda a diferença. É um projeto ambicioso e credível, que merece ser acompanhado de perto“.

Sessão de treino do Police (Foto: DR)

E diferente dos campeonatos na Europa…

“Em termos de campeonato, realmente é um pouco diferente, mas hoje em dia já muito próximo de alguns campeonatos europeus, e com condições de trabalho melhores do que em muitos clubes e campeonatos, não só europeus.

No meu íntimo, sempre tive aquela vontade de voltar a jogar em Portugal, como tantos colegas fizeram, mas a vida é assim mesmo, nem sempre temos as mesmas oportunidades de trabalho onde gostaríamos de viver… Quem sabe, como treinador, ainda possa vir a ter essa oportunidade? O futuro a Deus pertence“.

Como jogador, representaste 23 clubes, de 12 países diferentes. Isso deve-se a teres um espírito aventureiro que te faz procurar novos desafios?

“Com certeza, ser aventureiro sempre fez parte de mim e dos meus familiares. Nessa aventura, a minha família tem um papel principal, pois sem eles não teria sentido nenhum tanto trabalho e sacrifício. Eles têm todo o meu amor e orgulho, porque só quem está «cá fora» é que sabe o que estou a dizer…

É verdade, foram muitos clubes e muitos países ainda como jogador. Agora, vou no terceiro clube como treinador e… quantos mais virão!?”

Os dados estão lançados… A Liga do Catar está prestes a iniciar-se e nas duas primeiras jornadas o Police atua na posição de anfitrião, recebendo o Al Shamal no dia 25 e o Al Gharafa no dia 29 de outubro.

Fonte: FPV.

Fotos: DR e VFM/Jonathan Vallat.

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