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Salários reais dos jovens com ensino superior caíram 6% em 2022

A edição 2023 do Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal, relatório anual da Fundação José Neves, apresenta as dinâmicas dos salários e do emprego durante o ano de 2022 e foca-se na digitalização no emprego, nas empresas e na educação. Aborda ainda os enormes desafios que o sistema de educação e formação enfrenta e os desafios inadiáveis que comprometem o futuro dos jovens e do país. Conclui com a atualização da posição atual face às metas de desempenho para um Portugal do conhecimento em 2040 e apresenta caminhos para o futuro.

Ganho salarial dos jovens portugueses com ensino superior face ao secundário atingiu mínimos históricos em 2022

Entre 2021 e 2022, apesar do aumento do salário nominal em 3,6%, o salário real caiu 4%, já que o aumento verificado não cobriu a subida da inflação, tendo-se registado uma perda do poder de compra. O impacto foi sentido para trabalhadores com todos os níveis de escolaridade, mas de forma muito pronunciada entre os jovens qualificados (-6%).

A diferença salarial dos jovens portugueses com ensino superior face aos jovens com ensino secundário atingiu mínimos históricos, diminuindo de cerca de 50% em 2011 para 27% em 2022. Mesmo com esta alteração, ter educação superior garante salários substancialmente mais elevados.

A recuperação do emprego pós-pandemia foi total entre os jovens com o ensino superior, mas entre os menos qualificados a taxa de desemprego foi em 2022 (18%) significativamente superior à de 2019 (13%).

Já o mercado de trabalho em geral recuperou os níveis de emprego e tornou-se mais qualificado e digital. Em 2022, 28% das competências pedidas eram digitais e 66% das ofertas de emprego anunciadas pediam competências digitais, um valor muito superior aos 54% de 2019. A maioria das profissões aumentou os requisitos digitais e metade dos trabalhadores portugueses afirmaram que passaram a usar mais frequentemente tecnologias digitais. O setor da alta tecnologia continuou a crescer em Portugal e representa agora 45% do emprego total.

Empresas mais digitais são mais produtivas e pagam salários mais elevados

A intensidade digital do emprego acelerou com a pandemia, mas no final de 2022 já estava em linha com a tendência de aumento entre 2017 e 2019. Ainda assim, a digitalização continua a crescer a um ritmo superior ao previsto para a década.

Continua a haver um enorme potencial de digitalização por explorar, quer ao nível dos trabalhadores – 4 em cada 10 estão em empregos que não utilizam tecnologias digitais ou que fazem uma utilização muito básica – quer ao nível das empresas, uma vez que 48% das empresas têm um nível de digitalização baixo.

Dado que o nível de digitalização das empresas está positivamente associado a ganhos de produtividade na ordem dos 20% e a salários cerca de 3% superiores, a aposta da digitalização pode levar a uma maior competitividade das empresas e a melhores condições salariais para os trabalhadores. As empresas mais digitais tendem a ter equipas gestoras e trabalhadores mais qualificados, indicando que o capital humano é essencial no reforço dessa aposta.

Atualmente, 75% dos adultos menos qualificados não têm competências digitais básicas, o que reforça o papel dos serviços de emprego e das empresas na formação nesta área. Em 2022, 24% das empresas com pelo menos 10 trabalhadores deram formação aos trabalhadores em competências digitais.

Ao nível da educação, a aposta deve passar por formação básica e avançada. É preciso acelerar a formação dos portugueses para responder ao emprego dos especialistas em TIC, que cresceu a um ritmo 5 vezes superior ao do emprego geral entre 2014 e 2021. Para fazer face às dificuldades reportadas pelas empresas em recrutar estes profissionais (6 em cada 10 que tentaram recrutá-los), este esforço deve integrar as mulheres, atualmente menos representadas em profissões mais digitais.

A maioria dos alunos portugueses do ensino básico tem competências digitais básicas, mas apenas uma minoria dos alunos utiliza as tecnologias digitais na aprendizagem, seja na escola (7%) ou em casa (10%).

“É crucial que o sistema de educação e formação garanta o desenvolvimento das competências relevantes”, afirma o estudo.

“É consensual que mais do que o nível de educação formal, são as competências da população que mais impactam o sucesso profissional e pessoal dos indivíduos e o crescimento económico dos países, pelo que é essencial que mais qualificações sejam acompanhadas por mais e melhores competências”, continua.

Existem desafios imediatos que comprometem o desenvolvimento de competências dos alunos, cujo debate, ação e resolução são inadiáveis – falta crónica de professores e perdas de aprendizagens dos alunos resultantes da pandemia.

Perdas de aprendizagem durante a pandemia são significativas

Estudos internacionais concluem que as perdas de aprendizagem resultantes da pandemia COVID-19 são equivalentes ao que os alunos aprenderiam em ligeiramente mais do que meio ano letivo. Ou seja, perderam 56% da aprendizagem previstas. Revelam ainda que estas perdas são persistentes e verificam-se em todos os níveis de ensino (básico, secundário e superior).

Em Portugal, não existem dados que permitam uma monitorização das perdas de aprendizagem e do efeito do plano de recuperação, o que levanta dúvidas sobre a sua implementação e real eficácia.

Portugal tem a classe docente mais envelhecida da UE e não está a formar professores suficientes

Portugal é o país da União Europeia com a classe docente mais envelhecida (média está nos 50 anos) e há poucos jovens em cursos que dão acesso à carreira docente. Apesar do número de inscritos em licenciaturas ter aumentado 8% entre 2013/2014 e 2020/2021, a tendência na área de formação de professores foi a inversa, com uma queda de 18%. A discrepância é ainda mais acentuada nos mestrados, com um aumento de 23% nos inscritos, mas com uma queda de 22% nos cursos de formação de professores.

O panorama atual de escassez de professores não pode ser dissociado das condições de trabalho e progressão na carreira dos professores, que tornam a profissão pouco atrativa e resultam em elevados níveis de insatisfação profissional. Cerca de 1 em cada 5 professores portugueses era contratado em 2020/2021 e tinha um salário bruto abaixo dos 1.500€, já com o subsídio de refeição.  O salário dos professores no início da carreira é inferior ao de outros trabalhadores com formação equivalente nas áreas CTEM, da Saúde e do Direito. Mais tarde na vida, e devido à dificuldade na progressão da carreira, o fosso salarial é mais desfavorável para os professores, com salários abaixo de todas as áreas CTEM e de várias outras áreas de formação.

Metas para uma Sociedade do Conhecimento em 2040

. Portugal nos 10 países da UE com mais emprego em tecnologia e conhecimento (em 2022 manteve-se na 16º posição);

. Pelo menos 25% dos adultos devem participar em educação e formação ao longo da vida (subiu para os 13,8%);

. Máximo de 15% dos adultos (25 aos 64 anos) com baixa escolaridade (desceu para os 39,7%);

. Pelo menos 60% dos jovens adultos com o ensino superior (atualmente são 44,4%);

. Pelo menos 90% dos jovens recém-formados com emprego (subiu para os 78%).

Tendo em conta o diagnóstico feito neste relatório e a ambição para 2040, estas são algumas linhas de ação mais pertinentes e urgentes propostas pela FJN:

. Criar condições para o aumento da produtividade das empresas e promover o emprego em setores mais produtivos, garantindo o aproveitamento das qualificações dos jovens.

. Promover a aprendizagem ao longo da vida e um sistema de requalificação ocupacional.

. Acompanhar e antecipar as dinâmicas e necessidades do mercado de trabalho.

. Estimular a coordenação entre instituições de educação e formação e as empresas para garantir oferta educativa e formativa adequada às necessidades.

. Aumentar a atratividade da carreira docente e combater a falta de professores.

. Debater sobre os objetivos e organização do sistema de educação e formação e agir estruturalmente.

. Fomentar a prática generalizada de monitorização e medição de impacto de intervenções em educação e formação ou da criação de novos cursos e formações.

. Implementar a recolha de dados que permitam concluir sobre as reais perdas de aprendizagem resultantes da pandemia.

“O relatório Estado da Nação 2023, o terceiro divulgado publicamente desde o lançamento da Fundação José Neves, pretende apontar caminhos para um futuro que terá de ser partilhado por toda a sociedade e no qual a FJN pretende contribuir para este esforço coletivo que ajude a transformar Portugal numa sociedade do conhecimento, onde todos possam prosperar”, assinala o fundador José Neves.

Carlos Oliveira, Presidente Executivo da FJN, sublinha que “o futuro profissional e o bem-estar dos portugueses depende da capacidade do país formar, reter e desenvolver o talento dos jovens e dos adultos, de forma integrada com o mercado de trabalho e com os desafios do futuro. O também cofundador reconhece que na última década a evolução dos vários indicadores associados às metas para 2040 tem sido muito positiva, mas que é necessário acelerar o ritmo de progresso para atingir os objetivos, o que requer mudanças mais estruturais”.

O relatório “Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal” é o documento anual da Fundação José Neves com o objetivo de promover a discussão pública das debilidades e oportunidades da educação e do sistema de desenvolvimento de competências, de forma a permitir aos portugueses e aos agentes da educação, nomeadamente, o Governo e as instituições de ensino, tomarem decisões com base em factos.

Foto: DR.

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