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“Não contes à Mãe” desafia a repensar o pós-colonialismo na sociedade portuguesa

Numa reflexão sobre o passado colonial e a sua influência sobre o Portugal presente, Délio Jasse inaugura, no próximo dia 30 de setembro, em Braga, “Não Contes à Mãe”, uma exposição que promete envolver o público numa jornada reflexiva e instigante, através do olhar e do trabalho de pesquisa do artista angolano, numa exploração de imagens e documentos de arquivo.

A inauguração terá lugar na zet gallery, pelas 16 horas, e a exposição, com curadoria de Helena Mendes Pereira e Arnold Braho, ficará patente até 2 de dezembro de 2023.

Délio Jasse, nascido em Angola, em 1980, traz à tona, através do seu trabalho artístico, questões profundas relacionadas com o colonialismo e pós-colonialismo, que influenciaram fortemente a sua jornada e identidade enquanto artista.

“Délio Jasse usa a arte como uma ferramenta para explorar e compreender as complexidades do passado colonial e como ele se reflete no presente. Este trabalho convida-nos a refletir sobre as narrativas históricas, confrontar o colonialismo e as suas consequências, e repensar o que significa reconstruir uma história justa e precisa. Para além disso, é uma exposição que transcende fronteiras e ressoa politicamente em todo o mundo”, conta Helena Mendes Pereira, diretora da zet gallery.

O bisavô paterno de Délio Jasse, bem com as gerações que lhe sucederam, tinham nacionalidade portuguesa, mas uma nova legislação pós-colonial não a atribuiu ao cônjuge quando os seus pais casaram no final da década de 70. Quando Délio Jasse chegou a Portugal, vindo da sua terra natal, no final dos anos 90, a sua cidadania portuguesa não foi reconhecida, dando início a uma longa jornada burocrática enquanto imigrante e cidadão português.

Este processo, que durou quase uma década, acabou por se tornar o ponto de partida para a produção artística de Délio Jasse e a causa do seu profundo envolvimento em questões de identidade, memória e colonialismo.

O mergulho pessoal na burocracia levou-o a interessar-se por arquivos e documentos que não apenas se referiam aos retornados, mas também à situação invisível das pessoas das ex-colónias durante o Estado Novo em Portugal.

Na sua busca por narrativas ocultas em fotografias e documentos, Délio Jasse encontrou aerogramas trocados entre militares e as suas famílias que revelavam as atrocidades cometidas pelos militares portugueses, mas também relações inter-raciais que eram escondidas, como na mensagem que inspirou o título da exposição – “Não contes à mãe” – em que um soldado pede segredo ao irmão sobre a relação íntima que mantém com uma mulher negra, da qual vai enviando negativos para que sejam revelados em Portugal.

Ao explorar documentos e fotografias de arquivos que revelam aspetos ocultos da história colonial, o artista procura reescrever essa história, destacando a violência muitas vezes omitida pelas narrativas oficiais. A sua obra é uma tentativa de reparação histórica.

Para Arnold Braho, “a investigação do artista compreende, por um lado, o arquivo e os seus instrumentos como um terreno de investigação, como um paradigma através do qual se pode proliferar o que há muito é uma construção modernista, unidirecional e hierárquica da história colonial portuguesa em Moçambique e Angola; e, por outro lado, o carácter documental da imagem fotográfica como um dispositivo através do qual se pode recuperar vozes reprimidas por um passado colonial, transformando assim um tema falante num tema político.”

Esta exposição apresenta trabalhos inéditos que representam o foco central da produção artística de Délio Jasse nos últimos anos, com destaque para a sua presença no Tate Modern, em Londres.

Os curadores da exposição, o albanês Arnold Braho e Helena Mendes Pereira, enriquecem ainda mais a experiência do público com textos que aprofundam a compreensão das obras de Jasse e do contexto em que foram criadas.

Foto: DR.

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